Inicialmente, o realismo como
signo de legitimidade prévia é a noção que A
Moça que Dançou com o Diabo mais recusa. É nesse momento que a suposta
ingenuidade do filme se transforma, então, na sua afirmação mais contundente.
Há, nesse procedimento, um elogio e um impasse. Comecemos pelo elogio.
A Moça que Dançou com o Diabo não
é uma ficção social, mas especulativa (dentro mesmo de um campo da ficção
cientifica). Essa defesa é interessante, porque promove a tentativa de outro
olhar sobre um tema já muito depurado no cinema brasileiro.
A maior potência do filme está em
como a condição retórica do próprio proselitismo religioso (evangélico,
sobretudo) cria, embora no caminho inverso, o mesmo procedimento do filme:
parte de completas abstrações (Deus, Satanás, o paraíso, o inferno) e os
realoca como parâmetros reais para juízos de valor. Ao absorver esses valores
como signos reais, o realismo do filme se torna absurdo. A complicação é boa.
O rigor estético do filme
inscreve em seu próprio corpo (de imagem e de ação), ao mesmo tempo, a
proposição e a recusa de uma noção realista. Assim, o curta usa justamente uma
estética realista para recusar discursos de realismo. O final absurdo depende
do realismo construído anteriormente para ter força. O filme é sua tese e sua
antítese, ao mesmo tempo.
Se o filme se organiza visando
seu encerramento (literal e metafórico) no absurdo, parece haver também um
limite de efeitos. Com o tempo, a ida das duas jovens que se beijam para o
inferno, tem seu impacto atenuado, porque cria uma relação efeito súbito, já
que somos, antes, observadores, e não participantes, do fato.
A força da proposta final de A Moça que dançou com o diabo, só volta
a ter potência se pensamos que o curta é recorte de um universo maior (no qual
o mundo, ao menos pra mim, seria espécie de cartório evangélico), porque
proporciona assim pensar que o caso das duas meninas não é isolado, que elas
não são as escolhidas, que o encerramento daquela trajetória é, na verdade,
parte de uma sistemática maior (toda mulher que beijar outra mulher, naquele
mundo, seguirá o mesmo caminho, por exemplo). A Moça que Dançou com o Diabo é curioso, mas cessa a ruptura de seu
próprio absurdo, infelizmente, antes de alcançar seu pleno potencial.
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