Quando aborda
a dualidade entre fracasso e os sonhos do showbussiness, o cinema geralmente se
ancora em duas possibilidades: no fracasso enquanto estágio da glória ou no
fracasso enquanto fase final desta. Assim, é comparativamente menor o número de
filmes que observam atentamente o fracasso, estudando-o como forma de
trajetória completa, do ínicio ao fim, sem fugas. Dentre tais exceções figura
este Inside Llewyn Davis, novo filme dos Irmãos Coen.
Desde o início
o roteiro dos irmãos entrega seu deleite em investigar o fracasso. E não à
toa, a primeira vez em que Llewyn Davis (Isaac) surge fora do palco, ele apanha. Ainda
assim, é curioso notar como mesmo naquele beco, vazio e isolado, parece haver a
luz de um poste iluminando uma cadeira vazia, como se criando juntos a atmosfera de um palco em eterno
stand-by. E talvez seja essa a síntese maior do filme.
O interesse
da dupla de diretores por seus personagens permanece, aqui, mais uma vez, eixo
de toda a história: importa menos como as coisas acontecem e mais como se reage
ao que acontece. Neste sentido é interessante a tônica do filme ao abordar seu
tema: não há a intenção de ridicularizar fracasso ou fracassados por meio de um
afastamento que permita risos distantes. Na verdade, é tratando o fracasso como
algo recorrente e presente na vida de qualquer um que o filme produz seu humor
coletivo e empático. Afinal, não apenas Llewyn Davis é um homem comum.
Aliás, se Llewyn Davis é o escolhido para ter sua
trajetória revelada, isto não acontece por ser ele, dentre aquelas pessoas,
quem mais reluta diante do próprio fracasso, mas por ser quem, aparentemente, o
aceitou mais facilmente. E é por isso também que, ao tentar, sem muito esforço,
alterar as coisas, o sujeito parece, na verdade, estar apenas em busca da
confirmação exterior de uma derrota que ele mesmo entende como inerente ao seu
caminho, como se buscando uma espécie de autorização pra rir explicitamente da
própria tragédia.
Vale notar ainda que só quando busca alento num
lugar que antes o incomodava - mas que agora parece ser o único livre de seu
próprio rastro - é que Llewyn vive, numa das melhores seqüências do filme, um
evento raro: canta, não por obrigação ou por sobrevivência, como afirmara
antes, mas pelo prazer que a música lhe dá (ou dava). "Uau", ele diz,
para logo em seguida a ironia dos Coen surgir plena.
Seguindo, a composição contida de todas as
personagens secundárias é bem vinda. Destacam-se a autêntica Jean vivida por
Carry Mulligan, a divertida participação de Garret Hedland como o exageradamente
misterioso Johnny Five, além da brilhante participação de Jonh Goodman. É como se todos ali, de um modo ou de outro, estivessem
lidando, silenciosamente, com seus próprios fracassos. “Fracassos”, assim, no
plural, porque, para os Coen, a derrota e a decepção não se originam na falta
de luzes, diamantes, fãs ou dólares, exclusivamente. Na verdade, é quase sempre
distante de tais símbolos que o fracasso se concretiza no filme. E é justamente
isso que o engrandece. Porque, uma vez que o fracasso pode estar em qualquer situação
cotidiana, momentos de conquista e satisfação também podem.
No mais, a belíssima fotografia de Bruno Delbonnel
contribui para essa imagem dúbia de cotidiano ao criar uma atmosfera pouco
abrasiva ao passo em que mostra as idas e vindas do protagonista como se num
palco invisível.
No entanto, talvez o que melhor resuma o filme seja
sua trilha sonora. Inspirado pela história do músico Dave Van Rock e
homenageando o folk americano, estilo musical originado em meados da década de
60 dentro da classe operária dos EUA, que revelou músicos como Johnny Cash, Lou Reed e Bob Dylan (este, aliás, também
homenageado no filme), os 104 minutos de Inside Llewyn Davis são uma canção
folk propriamente dita.
Em letras simples, acompanhadas por acordes e
melodias simples, sujeitos tão simples quanto suas músicas narram suas próprias histórias, inventam suas próprias sagas. Como fazia a classe operária. Como todos fazem ainda hoje.
Assim, embora viajem somente de uma cidade à outra, cantam que viajaram o mundo. Ainda que atropelem acidentalmente um pequeno gato, cantam que cruzaram com grandes cavalos e bisões. E mesmo quando largados na sarjeta, desconhecidos e vítimas do supracitado fracasso, recebem a luz da rua que, olhando bem, parece vir em formato de holofote. É tudo uma questão de ponto de vista. Logo, se em certos dias afundar o pé numa poça d’água pode nos soar uma tragédia, resta transformar um mero café que esquente o corpo na maior das conquistas.
Assim, embora viajem somente de uma cidade à outra, cantam que viajaram o mundo. Ainda que atropelem acidentalmente um pequeno gato, cantam que cruzaram com grandes cavalos e bisões. E mesmo quando largados na sarjeta, desconhecidos e vítimas do supracitado fracasso, recebem a luz da rua que, olhando bem, parece vir em formato de holofote. É tudo uma questão de ponto de vista. Logo, se em certos dias afundar o pé numa poça d’água pode nos soar uma tragédia, resta transformar um mero café que esquente o corpo na maior das conquistas.