03/01/2016

INSIDE LLEWYN DAVIS: O FRACASSO ANTES, DURANTE E DEPOIS

                  
  
Quando aborda a dualidade entre fracasso e os sonhos do showbussiness, o cinema geralmente se ancora em duas possibilidades: no fracasso enquanto estágio da glória ou no fracasso enquanto fase final desta. Assim, é comparativamente menor o número de filmes que observam atentamente o fracasso, estudando-o como forma de trajetória completa, do ínicio ao fim, sem fugas. Dentre tais exceções figura este Inside Llewyn Davis, novo filme dos Irmãos Coen.
  
Desde o início o roteiro dos irmãos entrega seu deleite em investigar o fracasso. E não à toa, a primeira vez em que Llewyn Davis (Isaac) surge fora do palco, ele apanha. Ainda assim, é curioso notar como mesmo naquele beco, vazio e isolado, parece haver a luz de um poste iluminando uma cadeira vazia, como se criando juntos a atmosfera de um palco em eterno stand-by. E talvez seja essa a síntese maior do filme.

O interesse da dupla de diretores por seus personagens permanece, aqui, mais uma vez, eixo de toda a história: importa menos como as coisas acontecem e mais como se reage ao que acontece. Neste sentido é interessante a tônica do filme ao abordar seu tema: não há a intenção de ridicularizar fracasso ou fracassados por meio de um afastamento que permita risos distantes. Na verdade, é tratando o fracasso como algo recorrente e presente na vida de qualquer um que o filme produz seu humor coletivo e empático. Afinal, não apenas Llewyn Davis é um homem comum.

Aliás, se Llewyn Davis é o escolhido para ter sua trajetória revelada, isto não acontece por ser ele, dentre aquelas pessoas, quem mais reluta diante do próprio fracasso, mas por ser quem, aparentemente, o aceitou mais facilmente. E é por isso também que, ao tentar, sem muito esforço, alterar as coisas, o sujeito parece, na verdade, estar apenas em busca da confirmação exterior de uma derrota que ele mesmo entende como inerente ao seu caminho, como se buscando uma espécie de autorização pra rir explicitamente da própria tragédia.

Vale notar ainda que só quando busca alento num lugar que antes o incomodava - mas que agora parece ser o único livre de seu próprio rastro - é que Llewyn vive, numa das melhores seqüências do filme, um evento raro: canta, não por obrigação ou por sobrevivência, como afirmara antes, mas pelo prazer que a música lhe dá (ou dava). "Uau", ele diz, para logo em seguida a ironia dos Coen surgir plena.

Seguindo, a composição contida de todas as personagens secundárias é bem vinda. Destacam-se a autêntica Jean vivida por Carry Mulligan, a divertida participação de Garret Hedland como o exageradamente misterioso Johnny Five, além da brilhante participação de Jonh Goodman.  É como se todos ali, de um modo ou de outro, estivessem lidando, silenciosamente, com seus próprios fracassos. “Fracassos”, assim, no plural, porque, para os Coen, a derrota e a decepção não se originam na falta de luzes, diamantes, fãs ou dólares, exclusivamente. Na verdade, é quase sempre distante de tais símbolos que o fracasso se concretiza no filme. E é justamente isso que o engrandece. Porque, uma vez que o fracasso pode estar em qualquer situação cotidiana, momentos de conquista e satisfação também podem.

No mais, a belíssima fotografia de Bruno Delbonnel contribui para essa imagem dúbia de cotidiano ao criar uma atmosfera pouco abrasiva ao passo em que mostra as idas e vindas do protagonista como se num palco invisível. 

No entanto, talvez o que melhor resuma o filme seja sua trilha sonora. Inspirado pela história do músico Dave Van Rock e homenageando o folk americano, estilo musical originado em meados da década de 60 dentro da classe operária dos EUA, que revelou músicos como Johnny Cash, Lou Reed e Bob Dylan (este, aliás, também homenageado no filme), os 104 minutos de Inside Llewyn Davis são uma canção folk propriamente dita.

Em letras simples, acompanhadas por acordes e melodias simples, sujeitos tão simples quanto suas músicas narram suas próprias histórias, inventam suas próprias sagas. Como fazia a classe operária. Como todos fazem ainda hoje. 

Assim, embora viajem somente de uma cidade à outra, cantam que viajaram o mundo. Ainda que atropelem acidentalmente um pequeno gato, cantam que cruzaram com grandes cavalos e bisões. E mesmo quando largados na sarjeta, desconhecidos e vítimas do supracitado fracasso, recebem a luz da rua que, olhando bem, parece vir em formato de holofote. É tudo uma questão de ponto de vista. Logo, se em certos dias afundar o pé numa poça d’água pode nos soar uma tragédia, resta transformar um mero café que esquente o corpo na maior das conquistas.